gisele ogera
A partir de um objeto e seu mundo de utilidades, futilidades, obsolescência e nostalgias por ele provocados, a lâmpada se tornou para mim uma espécie de referencial de observação do modo atual de vida, imersos em uma infinidade de “coisas”, que vão e vem..., numa entorpecente catarse de consumo e descarte de tecnologias e modos de vida. As “coisas”, que em um dia são essenciais, rapidamente nos escapam dos olhos, do convívio, da memória, porque rapidamente, e quase que sutilmente, somem como mercadorias. Mas, entre os acúmulos da vida moderna, existe um momento em que percebemos que algo pode ser reversível de sua condição de esquecimento e insignificância...Porque a lâmpada? Este objeto seria como um símbolo de persistência. Uma persistência ativa, cria-ativa. Que se mantém acesa mesmo quando apagada! A lâmpada incandescente, eu a encontrei neste momento de decadência, julho de 2016. Ela desapareceria do mercado. Como era um objeto muito comum em meu laboratório de desenho, guardava vários exemplares queimados, tive a oportunidade de observar, tocar, refletir sobre: como aquele objeto tão comum, simples, útil, cheio de histórias se encontraria em seus últimos dias de vida. Já havia observado os diferentes tipos de filamentos relacionado a suas voltagens e o interessante desenho de cada um deles. A sua transparência, a forma catenária do bulbo. Ela tinha uma certa simplicidade, fácil de entender o funcionamento. Uma vela contida em um bulbo, sem oxigênio, um vácuo. Um pequeno sol que penduramos de cabeça para baixo bemno centro de cada cômodo da casa. Produz calor e luz agradável, que permite expandir o dia dentro da noite. Talvez uma pequena estrela bem próxima (na verdade esse pequeno sol noturno que provocou uma verdadeira revolução na vida humana).A lâmpada incandescente seria substituída por lâmpadas fluorescentes e de “LED”. Lâmpadas essas que são frias e que geram muito lixo irrecuperável e contaminantes no descarte,mercúrio, plástico, componentes eletrônicos... Era uma fase de “matar a lâmpadaincandescente”, com um discurso ecológico deveras suspeito, embora houvesse economia de energia, é fato!. Comecei a acumular lâmpadas incandescentes de todos os tipos e tamanhos. As últimas que eu poderia comprar. De fato estavam proibidas de vender, as lojas vendiam as últimas do estoque e não comprariam mais para repor, quase que um objeto proibido,” ilegal” (começou a ficar interessante).A lâmpada continha muitos elementos instigantes, é um objeto potente. Foi um grande ícone de modernidade na época de seu surgimento, havia uma grande disputa para ganhar o mercado da produção de lâmpadas em todo mundo, vários projetos, inclusive no Brasil, como a lâmpada brasileira de Argemiro Augusto da Silva, de Alagoas (nunca saberia disso, não fosse a minha obsessão). Depois que Thomas Edson ganhou o mercado de produção (porque ele na verdade não é o inventor da lâmpada), surgiram cartéis que estabeleceram a vida útil do objeto, a famosa obsolescência programada, hoje prática comum e mestra do sistema capitalista de produção. Das lâmpadas, a pesquisa se expandiu para fios, soquetes, conta de energia elétrica, conduítes, interruptores, luz, calor, fazendo a reflexão do tipo: será que as cores frias que as novas lâmpadas de LED e fluorescentes levariam para o interior das casas e para ruas das cidades poderiam influenciar na vida das pessoas!? O desaparecimento da lâmpada incandescente deixou no ar um sentimento nostálgico para alguns, outros nem se deram conta das mudanças (só um pouquinho de dificuldade de comprar lâmpadas no supermercado).